15 outubro 2011

Análise :: Winter, O Golfinho (Dolphin Tale)

De onde vem essa necessidade do cinema se colocar, e o espectador aceitar, como uma letárgica injeção de morfina? Será que o mundo aí fora está tão ruim que o cinemão americano se sente na missão de dissociar o espectador de qualquer laço com a realidade, colocando-o num estágio paralelo de completa abscência de sensibilidade?

Não falo do óbvio poder lúdico cinematográfico ou de seu encantamento. Não se trata de alumbramento, mas de torpor. São duas coisas diferentes: o primeiro recorre à poesia, o segundo a códigos racionais. A música, nesse pacto do entorpecimento proposto por filmes como Winter, O Golfinho (veja o trailer), é peça-chave.

Parece que esse movimento de dar conforto letárgico ao espectador vem, no cinema, desde muito. Em parte, é possível enxergar assim a obra de Frank Capra: um filme como A Felicidade Não se Compra (1946) devolve todo o orgulho perdido do espectador americano e sua autoestima com a vida. Claro, há de se ressalvar o momento histórico da sua obra, pré e pós-Segunda Guerra Mundial... (continua)


Observa-se, também, que a proposta de Capra não se limita a um filme-propanda como Winter, O Golfinho. O processo em torno do diretor italiano mais americano de Hollywood é bem mais complexo: seria um crime resumi-lo a isso ou equiparar a qualidade do seu cinema com essa delfinídea produção. Porém, existe, sim, esforço em trazer conforto, passar a mensagem de que no final tudo vai dar certo. Isso aproxima tanto Capra quanto o filme sobre a amizade de um menino com problemas de sociabilidade e um golfinho sem a cauda.

Existe, porém, uma diferença nesse paralelo. Capra, com suas doses de mel, dispõe-se a dar esperanças a uma nação que precisa recuperar orgulho e confiança. Charles Martin Smith (sim, o ator de Os Intocáveis, improvisando-se como diretor) propõe uma ilusão, obriga o espectador a se emocionar e mente para ele ao construir um mundo paralelo que em nada se relaciona com a realidade.

Não à toa, Winter, O Golfinho é dos mesmos produtores de Um Sonho Possível, um estágio não tão medonho de cinema-morfina.

A esperança no cinema

Existem, sim, filmes que honestamente encontram a verdade de seus personagens e um olhar singular do mundo, e nos apresenta a esperança em forma de cinema. O que dizer de Um Estranho no Ninho, de Milos Forman, com o índio ajudando o personagem de Jack Nicholson? Ou dos pequenos gestos de Elvis e Madona após tanta tormenta?

O problema, vejam bem, não está na esperança. Não defendo que os grandes filmes são unicamente aquelas que atestam a podridão. O que não dá para aceitar é produto que se posicione como autoajuda ou que resume todas as possíveis saídas para o mundo em “faça a sua parte”. Quem faz isso são os chamados filmes-trapaça que manipulam com todos os códigos possíveis para arrancar falsamente uma lágrima do espectador. Até com a presença de um gigante da atuação como Morgan Freeman.

Assim como Silvio Santos insinuou, em seu auge, que a salvação para os problemas de todos os brasileiros era O Show do Milhão, ou a Porta da Esperança, ou o Topa Tudo Por Dinheiro ou qualquer outro de seus produtos, Winter, O Golfinho passa uma mensagem assustadoramente superficial: “se cada um fizesse sua parte, o mundo seria melhor”.

Sim. Mas muita água, muita mesmo, corre por debaixo de uma ideia tão ligeira.

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